Ontem em Ondina a Timbalada tocou aquela que eu te ouvia cantar sempre que fevereiro batia na porta. Vi a folia virar desalento sabendo que a simplicidade daqueles fevereiros ficou mesmo no passado. Tudo se tornou tão mais complexo na última década que nem a sinfonia de timbales te traz de volta. Lembra de como você brincava e sorria, sem se deixar abalar por pouca coisa? Eu lembro, pois sorria também e me alegrava de sua luz. Na Avenida ou na sala de casa era mesma a celebração e não havia cordas capazes de delimitar seu espaço. Agora te encontro tão melancólica. As armadilhas da mente te fizeram esquecer que fevereiro chegou trazendo de volta o carnaval. Nossos monstros internos se parecem e se encontram eventualmente. Dos meus ainda consigo fugir. Vejo-te perdida ao enfrentar os seus sem aceitar ajuda. E se eu aumentar o volume do rádio? Será que vai se lembrar de Ondina, da amizade que fazia com os cordeiros e das conversas com a...
Uma rotina atarefada é também paralisante. A grande lista de coisas a serem feitas acaba por me deixar sem saber por onde começo. Na dúvida sobre como usar o tempo, paro para ler. Recorri a um livro com o qual já tive contato anos atrás, mas pouco lembrava. Trata-se de "Quarto de despejo: Diário de uma favelada" , de Carolina Maria de Jesus, que se tornou uma das minhas obras favoritas, com seu texto sensível e direto. O livro publicado em 1960 traz um pouco da rotina da autora na Favela do Canindé, em São Paulo. Carolina, uma mãe solo de três filhos que vivia de catar recicláveis, se revoltava diante das mazelas que enfrentava diretamente. Como ela própria dizia, era uma revolta justa. Para seguir em frente mesmo diante da miséria e do descaso do poder público, ela escrevia. "Não tenho força física, mas minhas palavras ferem" , afirmava. Feriam mesmo. Sua escrita era uma espécie de vingança contra a fome, contra os políticos que só lembravam dos favelados em époc...