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Resenha: "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus


Uma rotina atarefada é também paralisante. A grande lista de coisas a serem feitas acaba por me deixar sem saber por onde começo. Na dúvida sobre como usar o tempo, paro para ler. Recorri a um livro com o qual já tive contato anos atrás, mas pouco lembrava. Trata-se de "Quarto de despejo: Diário de uma favelada", de Carolina Maria de Jesus, que se tornou uma das minhas obras favoritas, com seu texto sensível e direto. 

O livro publicado em 1960 traz um pouco da rotina da autora na Favela do Canindé, em São Paulo. Carolina, uma mãe solo de três filhos que vivia de catar recicláveis, se revoltava diante das mazelas que enfrentava diretamente. Como ela própria dizia, era uma revolta justa. 

Para seguir em frente mesmo diante da miséria e do descaso do poder público, ela escrevia. "Não tenho força física, mas minhas palavras ferem", afirmava. Feriam mesmo. Sua escrita era uma espécie de vingança contra a fome, contra os políticos que só lembravam dos favelados em época de eleição e até contra os vizinhos, que não davam sossego aos filhos da escritora. 

Carolina Maria de Jesus tinha verdadeiro amor pela literatura e uma consciência crítica acerca do cenário do qual fazia parte, a ponto de entender que a favela era o "quarto de despejo da cidade". É preciso compreender que muito além de uma vítima social, esta mulher foi uma das maiores escritoras deste país, em nada devendo a outros nomes mais celebrados. 










Talvez outros autores sejam mais queridos por terem origem diferente, ou por trazerem menos realidade em seus textos. Carolina denunciava absurdos dos quais toda a classe dominante é cúmplice. Uma realidade que pouco mudou com o passar dos anos. 

Realismo é um adjetivo acertado ao falar de "Quarto de Despejo". É como se o leitor estivesse participando de cada confusão ocorrida no morro. Uma escolha interessante foi manter o texto original de Carolina, que inclui alguns desvios da norma culta da língua portuguesa e ressalta que não estamos diante de um personagem ficcional. É polêmico, mas eu gosto. 

A autora também tem vasto repertório e cita diversas personalidades, até mesmo internacionais. Esta edição que tenho trata de explicar algumas dessas referências nas notas de rodapé. O livro também é composto por ilustrações em preto, branco e vermelho, ainda falando mais sobre Carolina ao fim. 

Além de pobre e mãe solo, ela era uma mulher negra, um marcador social que influenciou bastante o modo como foi vista ao longo de toda a vida. Antes de ser publicada, chegou a escrever peças e mostrar para donos de circo, que diziam "é pena você ser preta". Em resposta a esta fala, ela celebra a cor de sua pele e seu cabelo crespo no diário.


Carolina Maria de Jesus teve o talento descoberto após ser notada pelo jornalista Audálio Dantas. Com o dinheiro que ganhou escrevendo, conseguiu mudar-se para a sonhada casa de alvenaria. Inaceitável é saber que a mulher morreu na pobreza, em 1977. 

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