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Quem tem medo do jornalismo?

Série Periódicos Brasileiros - Gazeta do Rio de Janeiro, 10 de ...

A imprensa chegou ao Brasil de modo tardio, principalmente se comparado aos países vizinhos. Até mesmo a chegada da tipografia à colônia foi reprimida, em 1747, quando a oficina de impressão de Antônio Isidoro da Fonseca foi fechada por ordem real e todos os aparelhos confiscados.

O nascimento oficial da imprensa viria apenas com a chegada da Família Real Portuguesa, que saiu em fuga de seu país de origem por conta de Napoleão Bonaparte. Assim nasce a Gazeta do Rio de Janeiro, criada pelos colonizadores como forma de propaganda do governo e manutenção do poder. 

O acesso a qualquer publicação que não impressa pelo governo era terminantemente proibido. O Correio Braziliense, criado por Hipólito da Costa, jornalista exilado na Inglaterra, também foi confiscado ao chegar em solo brasileiro. O informe continha críticas ao governo português e, em 1812, a Coroa realizaria um acordo financeiro com Hipólito, a fim de amenizá-las, temendo que ideias revolucionários fossem disseminados e utilizando de vasta censura para que nada contra a "religião, governo e bons costumes" fosse divulgado no Brasil. 

Ficheiro:Propaganda do Estado Novo (Brasil).jpg – Wikipédia, a ...Vamos para o século seguinte, durante o Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas em 1937. O ditador criou uma versão mítica de si mesmo, fortemente inspirado pela propaganda realizada na Alemanha Nazista, e quem ousasse desvirtuar a imagem do "pai dos pobres" era sujeito a censura, tortura e exílio. 

Vargas criou ainda o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), destinado à censura e à autopromoção, algumas das principais ferramentas de sustentação do seu governo totalitário. O órgão inclusive realizou uma intervenção no jornal Estado de São Paulo, passando a utilizá-lo para propagar seus ideais. O governo ainda tinha seu próprio programa de rádio, o Hora do Brasil, que continua sendo obrigatoriamente transmitido até hoje (com novo nome). 

Um período marcado pela perseguição à classe jornalística viria durante outra ditadura, a Militar, instaurada em 1964. Neste momento, veículos de comunicação precisavam ter suas pautas previamente analisadas e aprovadas pelo governo. Entre os temas proibidos estavam a situação trágica da economia, o desaparecimento e tortura de pessoas pelo regime, além de qualquer outra abordagem desfavorável.
Quem foi Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto pela ...

Vladimir Herzog foi um dos tantos mortos pelos militares neste momento histórico do qual se deve apenas sentir vergonha. A morte do jornalista, embora divulgada pelos seus algozes como um "suicídio", se trata de um assassinato, já que o homem se tornava uma ameaça ainda maior para o regime por ser militante do Partido Comunista.



Em 1983 a realização de eleições diretas foi negada pelo governo mais uma vez e General Newton Cruz convocou uma coletiva de imprensa. No evento onde deveria prestar contas ao povo brasileiro, já iniciou tentando desmoralizar o trabalho dos veículos de comunicação, acusando-os de publicar mentiras acerca do assunto tratado. O episódio resultou em uma cena icônica, quando o militar agride um repórter, ignorando as câmeras e microfones ao redor. 

"Minha vontade é encher tua boca na porrada". Não, essa fala não foi do General e nem data de 1983. As palavras foram proferidas pelo atual Presidente do Brasil contra um jornalista do Globo, ao ser questionado sobre a quantia depositada por Fabrício Queiroz na conta da esposa do chefe de Estado. Foi ontem (23).

Bolsonaro diz a reporter: 'Vontade que tenho È encher sua boca de porrada'

Não é a primeira vez que o Jair Bolsonaro ataca a classe. O simpatizante da ditadura militar tenta descredibilizar os veículos de comunicação a cada discurso. Deste modo, seus seguidores têm como única fonte "confiável" as redes sociais do Presidente, onde este profere fake news e pós-verdade, ou, como eu prefiro chamar: Mentiras. 

Suas transmissões ao vivo são para nós algo semelhante ao que foi o programa Hora do Brasil, no governo de Vargas, ou a Gazeta do Rio, no reinado da Família Imperial. Mas sem originalidade alguma, contendo certa dose de vergonha alheia e comicidade. 

Antes de encerrar, há um outro episódio que gostaria de comentar. Sim, ele antecede o desgoverno atual e ocorreu em 1932, ainda na República Velha. O jornalista Aparício Fernando foi espancado e sequestrado por policiais da Marinha. A ação se tratou de uma resposta a uma série de fascículos publicada por ele, contando a história do marinheiro João Cândido - líder da Revolta da Chibata - e os castigos físicos ainda empregados nas Forças Armadas.

Barão de Itararé – Wikipédia, a enciclopédia livreAparício sobreviveu ao ataque e, ao invés de calar-se como era esperado, deu seguimento ao seu trabalho de crítica social e política, anexando um aviso bem humorado à porta de seu escritório: "Entre sem bater". Esse é o espírito. Este sentimento pessimista de que dias melhores não virão é mais uma entre as ferramentas de dominação dos autoritários e combatê-lo é essencial. 

As diversas tentativas de silenciamento do jornalismo ao longo da história do Brasil esclarecem que os acontecimentos recentes não são por acaso, mas sim a execução de uma tática antiga, promovida por governantes ardilosos que entendem o poder que a imprensa possui. Afinal, "jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique" e um povo bem informado é, de fato, motivo para temer.

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