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Entrevista: Gisele Gama conta como usa a literatura para empoderar com "Sara e Sua Turma"













Professora, autora, consultora e empresária, Gisele Gama criou a série de livros "Sara e sua Turma", tendo a protagonista não somente o nome em comum com sua filha, mas também os dilemas vividos por esta na infância. Na entrevista a seguir, a ex-professora da UFRJ comenta sobre a literatura infantil, o ambiente escolar e sobre sua obra.

Em que momento a senhora percebeu na sua filha, a Sara, uma fonte de inspiração para livros infantis?
Sara foi adotada por mim quando tinha menos de dois anos. Mesmo com tão pouca idade, já tinha passado por muita coisa. Quando foi para a escola, a rejeição, essa coisa invisível por que passam muitas crianças negras no Brasil, foi visceral para ela. Como mãe e educadora, resolvi usar a literatura para empoderá-la. Mas não encontrei nada. Por isso, escrevi para ela. Depois é que percebi que o caso não era somente com ela. A partir daí, sua personagem virou inspiração para tratar muitos temas. Já escrevi 51 histórias. Mas ainda estamos ilustrando o 28º livro. Tem muita coisa que merece ser dialogada, que ainda é meio tabu nas escolas. E eu falo sobre isso, de criança para criança.
                                                          
Não há muitos personagens negros na literatura destinada ao público infantil. Na sua opinião, qual a importância de uma criança se sentir representada?
Faz toda a diferença. As crianças não se percebem como negras ou brancas. Elas são crianças. Até que um dia elas começam a perceber que ninguém é como elas, nem na TV, nem nas revistas, nem nos livros... E aí elas começam a rejeitar isso. Os colegas brancos rejeitam os negros, e os negros começam a se sentir inferiores. Pensam: o que eu tenho de errado? Por que só tem gente branca na TV, no desenho, no livro em que estudo? É uma covardia. Por isso, se depender de mim, vai ter livro da Sara sobre qualquer assunto. Para que sempre haja uma representante negra para conversar de criança para criança sobre qualquer assunto.

Morte, preconceito e autoestima são alguns dos temas tratados na série de livros "Sara e sua Turma". Para a senhora, por que esses assuntos são tão pouco abordados por outros autores ?
Poucos adultos conseguem mergulhar no universo infantil. Na verdade, há muita "idiotização" da criança. Como se ela não tivesse a capacidade de compreender e lidar com o mundo real. Uma pena. A criança não pode viver em uma bolha, ela quer participar do mundo do jeito dela. Nunca me conformei com os livros que vinham da escola para que eu lesse com meus filhos em casa. Bem pouca coisa era construtiva. Parece que tudo é feito apenas para "distrair". E eu acho que as crianças querem e merecem mais que isso. Diversão é bom, mas não é o suficiente.
                   
Pouco tempo atrás, a senhora falou sobre o projeto de uma série animada. Quanto falta para que possamos ver a Sara na TV?
 Bom, a questão é mais burocrática. Estamos indo para a TVEscola, que é uma emissora pública, um canal aberto. Com as questões políticas que envolvem o momento atual, estamos lidando no momento com a demora de liberação de verbas e patrocinadores para que possamos levar a série para o ar o mais rapidamente possível. Mas é mais uma daquelas coisas que nos fortalecem. Não vamos abrir mão de lutar para que "Sara e sua Turma" estejam em uma emissora aberta, acessível a todos. Estamos trabalhando muito para isso. Até o fim do ano, com certeza estaremos no ar.



Hoje, suas histórias também são publicadas fora do país. Em algum momento houve receio pela falta de identificação dos leitores do exterior?
Não. Criança é criança em qualquer parte do mundo! Eu é que tenho de ter atenção ao universo deles. Deixar meu lado adulto de lado.

Qual a melhor forma de estimular o hábito de leitura de uma criança e qual o papel dos educadores nisso?
Se a criança for apresentada desde tenra idade a uma literatura prazerosa, interessante, em que ela se reconheça, ela vai querer ler. Professores precisam estimular esse prazer. O espaço da escola é muito importante para esse hábito. Muitas crianças não têm pais escolarizados. A escola é o espaço mais democrático para que se tenha acesso ao livro.

Nas suas histórias a Sara vive situações muito comuns às crianças negras, como o preconceito. Como mãe e educadora, qual a senhora acha que é o melhor modo de se lidar com episódios de descriminação e bullying no ambiente escolar?
O mais importante é ampliar a consciência das crianças. Criar empatia, fazer pensar e desenvolver inteligência emocional.

Em entrevista, a senhora já alertou para a necessidade de reinvenção da educação brasileira. Na sua concepção, quais conceitos precisam ser desconstruídos para que essa reinvenção aconteça?
A escola brasileira segue princípios do pós-guerra, uma coisa muito taylorista, fordista. Nossa escola pasteuriza os pensamentos das crianças. É um espaço em que as singularidades são esquecidas. No nosso país, desde a ditadura militar, temos um modelo de escola de controle do pensamento. É um espaço em que a criança tem de deixar de ser criança. Tem de ficar quieta. Tem de obedecer. Tem de decorar (e depois esquecer, porque ninguém é de ferro). Não é um espaço divertido, criativo, de valorização das diferenças. Precisamos de uma escola em que as pessoas entrem e saiam de cabeça erguida. Que elas se sintam importantes.

Comentários

  1. Oi Kauan,
    eu não conhecia essa série de livro e nem a autora, mas achei a ideia magnífica. Me emocionei com o fato que motivou ela a começar a escrever tais histórias e ao mesmo tempo achei lindo, vou procurar com toda certeza os livros dela. Sou negra e tenho um filhinho de dois anos igualmente negros e como ela mesmo disse não existe dentro da literatura obras desse tipo, vou montar a coleção do meu filho para que ele possa desfrutar das belas lições que esses livros devem carregar.

    Beijos!

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  2. Oiee Kauan ^^
    Eu ainda não conhecia a Gisele, mas já me tornei uma fã. Se já é raro encontrar histórias com personagens negros para nós, imagine só para as crianças. É mesmo uma pena que a maioria dos livros infantis sirvam mais para diversão do que para apresentar o mundo e os problemas para os pequenos, mas é muito bom ver que a Gisele luta por suas histórias. Adorei saber da série de tv ♥
    MilkMilks ♥

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  3. Olá
    Primeiramente, gostaria de lhe dar os parabéns por essa entrevista. Acredito que posts com esse são muito importantes para a divulgação do autor e de seu desenvolvimento na area. Adorei poder conferir as perguntas e respostas, ambos ficaram ótimas. Eu não a conhecia, mas adorei compreender um pouco do desenvolvimento de seu trabalho. Sucesso ♥
    Beijos, Fer
    www.segredosemlivros.com

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  4. Oi
    Que entrevista maravilhosa!
    Não conhecia a autora, mas seu trabalho é louvável. Precisamos lidar diariamente com o preconceito e poder contar com esse tipo de ajuda é incrível.
    Sem falar que o livro é lindinho.
    Uma autora muito simpática e autruísta. Anotei o nome para conhecer mais.
    Parabéns pelo espaço concedido a autora.
    Beijinhos
    Rizia Castro - Livroterapias

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  5. Olá!
    Eu não conhecia a autora e devo a isso principalmente pelo fato de ser literatura infantil. É realmente admirável o motivo que deu inicio ao seu trabalho, ela querer ajudar a filha de alguma forma, minha nossa, aquece o coração de todo mundo ao ler isso <3 Adorei o fato de saber que a obra está indo pra TV, é impossível não desejar o melhor para uma autora assim. Muito obrigada por apresentá-la, a sua entrevista foi incrível! ♥
    Um beijo

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  6. Oi Kauna, não conhecia Sara e Sua Turma, mas com certeza virei fã da autora com essa entrevista e o posicionamento dela quanto a literatura infantil. Foi um prazer conhecer o trabalho dela. Bjs

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  7. Que entrevista mais linda e empoderadora!
    Adorei o fato de ela usar o talento para ajudar as crianças negras a se empoderarem e mostrar a outras como o preconceito pode ser ruim.
    Espero que ela tenha muito sucesso na sua carreira

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  8. Oi, Kauan!
    Não conhecia a Gisele, mas fiquei encantada com suas respostas neste entrevista! Esse trabalho de empoderamento das crianças é muito importante e a literatura infantil só tem a ganhar com isso! :3
    Beijos!

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  9. Olá!
    Que entrevista e que autora mais incrível.
    Recentemente uma autora me contatou para resenhar o livro dela e fui pega de surpresa por ser um livro com uma protagonista negra. Parei para pensar em quantos personagens negros encontramos por aí e vi que são pouquíssimos. Como a autora disse, as crianças não veem a cor da pele, elas apenas veem outras crianças e precisamos inserir isso nas leituras que eles fazem.
    Vou anotar o nome da autora para pesquisar mais sobre ela.
    Beijos

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  10. Oi!
    Que entrevista maravilhosa, que mulher maravilhosa, que trabalho maravilhoso. Tem gente que acha que representatividade não é importante, mas é muito difícil não se ver em nenhum modelo apresentado. Foi uma ideia fantástica a que ela teve, vai ajudar muitas crianças. Num país onde temos a maioria da população que se identifica como negro ou pardo, não há nada melhor do que isso. Amei. Muito sucesso para a autora!!

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  11. Olá!
    Que entrevista maravilhosa essa que nos trouxe! Ainda não conhecia a Gisele, mas esse trabalho de empoderamento que ela faz parece ser maravilhoso, além de ser uma ótima ideia e foi feita de uma maneira correta.
    Beijos.

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  12. Que bate papo mais enriquecedor e estou toda emocionada pela serie e já quero ter, ler e presentear com estes livros.
    Adorei o post
    Beijos

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  13. Oi, tudo bem?
    Eu nao conhecia a autora ainda, mas de cara devo dizer que adorei conhecer um pouco sobre ela e devo te parabenizar, pois a entrevista ficou incrível. Bom, adorei as respostas da autora e gostei muito dela criar histórias representando as crianças negras, é realmente bem importante, principalmente porque ela aborda temas importantes em suas histórias, né? Enfim, fiquei bem curiosa com o trabalho dela, vou tentar saber mais.

    Beijos :*

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    Respostas
    1. Sou fã dos livros da Gisele. Sou professora de fundamental e sentia falta de determinados temas serem abordados com tanta leveza e linguagem clara. Indico a coleção toda para os meus pequenos leitores. Sem falar que é um trampolim de incentivo para a formação dos leitores mirins. Parabéns!

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